As
palavras finais do presidente da corte suprema, depois da decisão
que absolveu os réus da AP 470 do crime de quadrilha, soaram como a
lástima venenosa de um homem derrotado, inerte diante do fracasso
que começa a lhe bater à porta. A arrogância do ministro Barbosa,
abatida provisoriamente pelo colegiado do STF, aninhou-se em ataque
incomum à democracia e ao governo.
"Sinto-me
autorizado a alertar a nação brasileira de que este é apenas o
primeiro passo", discursou o relator da AP 470. "Esta
maioria de circunstância foi formada sob medida para lançar por
terra todo um trabalho primoroso, levado a cabo por esta corte no
segundo semestre de 2012."
Sua
narrativa traz uma verdade, um insulto e uma fantasia.
Tem
razão quando vê risco de desmoronamento do processo construído sob
sua batuta. A absolvição pelo crime de quadrilha enfraquece
fortemente a acusação. Se não há bando organizado, perde muito de
sua credibilidade o roteiro forjado pela Procuradoria Geral da
República e avalizado por Barbosa. A peça acusatória, afinal,
apresentava cada passo como parte minuciosa de um plano concebido e
executado de forma coletiva, além de permanente, com o intuito de
preservação do poder político. Se cai a tese de quadrilha, mais
cedo ou mais tarde, as demais etapas terão que ser revistas. Essa é
a porção verdadeira de sua intervenção matreira.
A
raiva de Barbosa justifica-se porque, no coração desta verdade,
está a neutralização da principal carta de seu baralho. O
ex-ministro José Dirceu foi condenado sem provas materiais ou
testemunhais, como bem salientou o jurista Ives Gandra Martins, homem
de posições conservadoras e antipetistas. A base de sua
criminalização foi uma teoria denominada "domínio do fato":
mesmo sem provas, Dirceu era culpado por presunção, oriunda de sua
função de líder da eventual quadrilha. Absolvido do crime
fundante, a existência de bando, como pode o histórico dirigente
petista estar condenado pelo delito derivado? Se não há quadrilha,
inexiste liderança de tal organização. A própria tese
condenatória se dissolve no ar. O que sobra é um inocente cumprindo
pena de maneira injusta e arbitrária.
Derrotado,
Barbosa recorreu a um insulto: acusa o governo da República de ter
ardilosamente montado uma "maioria de circunstância", como
se a fonte de sua indicação fosse distinta dos demais. Aponta o
dedo ao Planalto sem provas e sem respeito pela Constituição.
Atropela a independência dos poderes porque seu ponto de vista se
tornou minoritário. Ao contrário da presidente Dilma Rousseff, que
manteve regulamentar distância das decisões tomadas pelo STF, mesmo
quando eram desfavoráveis a seus companheiros, incorre em crime de
Estado ao denunciar, através de uma falácia, suposta conspiração
da chefe do Executivo.
A
conclusão chorosa de seu discurso é uma fantasia. Não se pode
chamar de "trabalho primoroso" uma fieira de trapaças. O
presidente do STF mandou para um inquérito secreto, inscrito sob o
número 2474, as provas e laudos que atestavam a legalidade das
operações entre Banco do Brasil, Visanet e as agências de
publicidade do sr. Marcos Valério. Omitiu ou desconsiderou centenas
de testemunhas favoráveis à defesa. Desrespeitou seus colegas e
tratou de jogar a mídia contra opiniões que lhe contradiziam. Após
obter sentenças que atendiam aos objetivos que traçara, lançou-se
a executá-las de forma ilegal e imoral.
O
ministro Joaquim Barbosa imaginou-se, e nisso há mesmo um primor,
como condutor ideal para uma das maiores fraudes jurídicas desde a
ditadura. Adulado pela imprensa conservadora e parte das elites,
sentiu-se à vontade no papel do pobre menino que é glorificado pela
casa grande por suas façanhas e truques para criminalizar o partido
da senzala.
O
presidente do STF lembra o protagonista da série House of Cards, que
anda conquistando corações e mentes. Para sua tristeza, ele está
se desempenhando como um Frank Underwood às avessas. O personagem
original comete incríveis delitos e manobras para chegar à
Presidência dos Estados Unidos, derrubando um a um seus adversários.
O ministro Barbosa, porém, afunda-se em um pântano de mentiras e
artimanhas antes de ter dado sequer o primeiro passo para atravessar
a praça rumo ao Palácio do Planalto.
Acuado
e sentindo o constrangimento de sua nudez político-jurídica, o
ministro atira-se a vinganças, recorrendo aos asseclas que
irregularmente nomeou, na Vara de Execuções Penais do Distrito
Federal, como feitores das sentenças dos petistas. Delúbio Soares
teve o regime semiaberto suspenso na noite de ontem. José Dirceu tem
contra si uma investigação fajuta sobre uso de aparelho celular,
cujo único propósito é impedir o sistema penal que lhe é devido.
O governo de Brasília está sendo falsamente acusado, com a
cumplicidade das Organizações Globo, de conceder regalias aos réus.
O
ódio cego de Barbosa contra o PT e seus dirigentes presos, que
nenhuma força republicana ainda se apresentou para frear, também
demonstra a fragilidade da situação pela qual atravessam o
presidente do STF e seus aliados. Fosse sólido o julgamento que
comandou, nenhuma dessas artimanhas inquisitoriais seria necessária.
O
fato é que seu castelo de cartas começou a ruir. Ao final dessa
jornada, o chefe atual da corte suprema sucumbirá ao ostracismo
próprio dos anões da política e da justiça. Homem culto, Barbosa
tem motivos de sobra para uivar contra seus pares. Provavelmente sabe
o lugar que a história reserva para quem, com o sentimento dos
tiranos, veste a toga dos magistrados.
Postado
pela Assessoria de Comunicação do PT de Ubatuba – 28/02/2014
Breno
Altman é diretor editorial do site Opera Mundi.
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