Para o Fórum em Defesa dos
Trabalhadores Ameaçados pela Terceirização, a tese de que essa prática cria
bons empregos é tão insustentável quanto uma criança montar mil bijuterias num
dia por R$ 10
No final de 2011, um caso de corrupção envolvendo a
família do prefeito Silvio Félix levou a população de Limeira (SP) às ruas e
Félix ao impeachment. Não era uma estreia no noticiário de escândalos. Meses
antes, explodira outro, relacionado a uma das principais atividades econômicas
da cidade.
Em locais improvisados e expostas a riscos de acidentes
graves, mulheres e crianças montam bijuterias durante o dia todo na cidade de
Limeira. Uma jornada de 13 horas rende R$ 30 (Foto Danilo Ramos)
Um acidente na empresa Milon
Semijoias matou o trabalhador Guilherme Ragonha, expôs à intoxicação outros
quatro e revelou os riscos dos serviços na cadeia produtiva de joias, semijoias
e bijuterias, que dão fama ao município. Essa cadeia é formada por um seleto
grupo de proprietários que levam uma vida muito boa cercada de trabalho
precário por todos os lados.
Para o engenheiro de segurança
Luiz Antonio Valente, o caso de Guilherme Ragonha trouxe à tona a ferida:
“Muitas das centenas de galvanoplastias em Limeira estão na mesma situação
dessa empresa”.
O vereador Ronei Martins considera
o caso emblemático ao pôr às claras esse setor, que, embora seja determinante
para a economia do município, tem efeitos colaterais como a terceirização e a
quarteirização do trabalho, “inclusive com a transferência da produção do chão
de fábrica para o espaço doméstico”. Uma comissão presidida pelo vereador
constatou a grande participação de mulheres na atividade, com jornadas diárias
de até 13 horas. A cada mil brincos montados, ganham-se R$ 10. “Elas não têm
direitos, se sofrem um acidente não têm respaldo, não têm férias, décimo
terceiro salário, licença-maternidade”, critica Ronei. “Há jovens empresários
que construíram patrimônio incompatível com a má qualidade do emprego que
proporcionam.”
A produção doméstica de joias se
concentra nos bairros periféricos e pode ser vista até nas calçadas. Jaqueline
de Paula Prado, 13 anos, aluna da 7ª série do ensino fundamental, ajuda a mãe.
Nas férias, monta 2.700 peças em um dia. Santinha de Oliveira, 49 anos, há
cinco retira e entrega as encomendas na fábrica e monta mil peças por dia.
Soninha, antes catadora de papelão, faz o serviço que lhe rendeu problemas na
coluna e calos nas mãos, “para não ficar parada”. Uma de suas filhas, de 5
anos, ajuda a emendar uma peça na outra. Edith de Oliveira, 68 anos, reforça
com bijuterias a renda de pensionista.
Fórum em Defesa dos Trabalhadores Ameaçados pela
Terceirização divulga abaixo-assinado contra os males da terceirização ao
trabalho decente. Clique
aqui para registrar sua adesão.
Haydee Calixto, 54, aos 11 começou
a labutar em plantações de tomate, laranja, café, cana e algodão; depois, em
indústria têxtil e em
lotérica. Aos 23 anos passou a trabalhar em uma fábrica de
joias e há dez faz peças em casa, 2.500 por dia – corte, solda e montagem de
correntes. Haydee produz direto para a fábrica e nenhuma das pessoas que
trabalham com ela é registrada. Ronei Martins imputa aos atravessadores, que
pegam as encomendas nas empresas e levam até a casa das mulheres, a dificuldade
de identificar as que recorrem ao trabalho doméstico.
“Muitas mulheres trabalham sem
saber para quem, qual a razão social ou o CNPJ da empresa; há uma cortina de proteção
aos empresários de um possível processo judicial.”
Ventos liberais
Limeira fica a 154 quilômetros da
capital paulista, na região de Campinas. O setor de bijuterias e lapidação de
pedras ganhou destaque no município durante a década de 1990, com empresas
familiares de micro e pequeno porte. Na ocasião, a desregulamentação no mundo
do trabalho, favorecida no Brasil por elevadas taxas de desemprego, impulsionou
uma onda generalizada de terceirizações.
Segundo estudo realizado pelo
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o grande salto nas
terceirizações no estado ocorreu entre 1995 e 2000, quando a contratação
indireta de mão de obra passou de 9% para 97% do saldo líquido de empregos
gerados.
A Relação Anual de Informações
Sociais (Rais), do Ministério do Trabalho, revela queda no estoque de empregos
com carteira assinada na cidade, de 49.309 em 1989 para 42.013 uma década
depois. Uma pesquisa feita por Marcos Antonio Libardi Ferreira, mestre em
Engenharia de Produção pela Universidade Metodista de Piracicaba, concluiu que
56 mil pessoas estão envolvidas informalmente na produção de joias em Limeira. Apontou
ainda a existência de trabalho infantil no setor e a participação de cerca de
25% dos estudantes da rede pública de ensino.
Com a transferência do serviço
para o espaço doméstico, para lá migraram também os riscos correlatos, como
contatos com produtos químicos e gases perigosos, uso de ferros elétricos,
materiais pontiagudos, movimentos repetitivos e posturas corporais forçadas –
caminhos para as Lesões por Esforço Repetitivo e Doenças Osteomusculares
Relacionadas ao Trabalho (LER/Dort).
Nas próximas semanas, é possível
que informações como essas passem ao largo dos debates que estão por vir no
Congresso Nacional. Existem diversos projetos de lei para regulamentação da
terceirização no país, mas o que está em pauta hoje é o do deputado Sandro
Mabel (PMDB-GO). No final do ano passado, uma Comissão Especial da Câmara
aprovou o substitutivo ao projeto, assinado pelo deputado Roberto Santiago (PSD-SP).
O texto atende ao lobby de
empresários, com apoio de alguns grandes meios de comunicação, interessados
numa legislação mais flexível e tolerante. As terceirizações, segundo seus
defensores, são um fenômeno moderno, ajudam a superar encargos trabalhistas e a
criar empregos formais e especializados. Além desses setores, o relatório tem
apoio da União Geral dos Trabalhadores (UGT), central da qual Roberto Santiago
é vice-presidente, e da Força Sindical, do também deputado Paulo Pereira da
Silva (PDT-SP).
O substitutivo precisa agora ser
votado pela Comissão de Constituição de Justiça da Câmara, presidida pelo
deputado Ricardo Berzoini (PT-SP). Berzoini é contrário ao projeto, assim como
a Central Única dos Trabalhadores (CUT), a Central dos Trabalhadores e
Trabalhadoras do Brasil (CTB), a Nova Central Sindical dos Trabalhadores (NCST)
e a Central Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB).
Sindicalistas ligados a essas
centrais, procuradores do Trabalho, juízes e organizações da sociedade civil
criaram o Fórum em Defesa dos Direitos dos Trabalhadores Ameaçados pela
Terceirização. Para o Fórum, companhias que contratam prestadoras de serviços
devem ter responsabilidade solidária pelo cumprimento dos direitos dos
funcionários – podendo ser acionadas diretamente pelo empregado da terceirizada
que tiver seu direito aviltado.
Na avaliação de Ana Tércia
Sanches, diretora do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região e
integrante do Fórum, o substitutivo de Santiago dificulta a defesa do direito
do trabalhador. “Ele vai ter de esgotar todas as vias na Justiça questionando a
empresa intermediária, não a contratante, e esse processo pode levar muitos
anos”, critica.
“Além disso, não é raro empresas
serem abertas só para determinada empreitada e depois fecharem sem pagar o que
devem.” O Fórum adverte que o fenômeno da terceirização há muito tempo não é
“exclusividade” dos joalheiros de Limeira e está disseminado em todos os
setores.
Ramificações
Em novembro de 2011, o Ministério
Público do Trabalho de Campinas entrou com duas ações civis públicas que pedem
a condenação da construtora MRV ao pagamento de R$ 11 milhões em multa pela
utilização de trabalhadores em condição análoga à escravidão em duas obras no
interior de São Paulo. As fiscalizações identificaram trabalho precário
associado a terceirização, por meio de empreiteiras contratadas pela MRV. Na
mesma Campinas, o Ministério do Trabalho e Emprego interditou um alojamento de
operários que trabalhavam na construção de um centro de processamento do banco
Santander, no distrito de Barão Geraldo, devido às péssimas condições de
moradia. Fiscalização feita no final de dezembro encontrou 20 operários
dividindo uma casa, onde alguns dormiam na varanda por falta de espaço. Um
deles, sem colchão, chegou a dormir três noites dentro de um armário para se
proteger do frio.
Outro setor que teve o nível e a
qualidade do emprego violentamente afetados é o financeiro. Estudo do Dieese
mostra que a terceirização envolve desde áreas de processamento dos documentos,
atividades de tesouraria, centros administrativos até pontos de atendimento por
meio de correspondentes bancários e promotoras de crédito, call centers,
internet banking e terminais de autoatendimento.
No final dos anos 1980 havia 900
mil empregos diretos em instituições bancárias. Hoje, do contingente de 1
milhão de pessoas que atuam no ramo financeiro, menos da metade – 470 mil – são
funcionários de bancos. Segundo o Dieese, os terceirizados ganham 27% menos e
permanecem no emprego 2,6 anos, em média, enquanto um bancário resiste 5,8
anos.
No setor elétrico, a transferência
de mão de obra teve impulso com o processo de privatizações, iniciado no
governo Collor e acentuado durante o governo Fernando Henrique Cardoso. Dados
da Fundação Coge, criada e gerida pelas empresas de energia, constatam que o
nível de terceirização na área atualmente supera a casa dos 55% da força de
trabalho.
Setor elétrico: maior número de acidentes entre
terceirizados (Foto Juca Martins/olhar imagem)
O Relatório de Estatísticas de
Acidentes no Setor Elétrico Brasileiro, elaborado desde 2000 pela fundação,
revela que a área de energia tinha 232 mil trabalhadores em 2010, sendo 127 mil
terceirizados. Houve 741 registros de acidentes entre os contratados e 1.283
entre os terceirizados. As ocorrências fatais mostram uma realidade muito mais
alarmante: das 79 mortes por acidente ao longo daquele ano, 72 foram de
“prestadores de serviço”. A taxa de mortalidade média entre os trabalhadores
diretos é de 14,8 para cada 100 mil, e entre os terceirizados, de 47,5.
O setor de petróleo também lamenta
o alto índice de acidentes fatais. A Federação Única dos Petroleiros (FUP)
denuncia a ocorrência de 283 mortes por acidentes no sistema Petrobras, 228
delas de terceirizados, entre 1995 e 2010. Durante reunião na Secretaria-Geral
da Presidência da República em dezembro, o dirigente da FUP João Moraes
ressaltou que o crescimento do setor nos últimos anos estimulou a contratação
indireta, tanto na Petrobras quanto nas empresas privadas. Segundo Moraes, se o
país caminha para ser o terceiro maior produtor de petróleo do mundo, deveria cuidar
para que as condições de trabalho não se degradem.
Regulamentação
Apesar de apontar avanços como a
melhora dos salários de 10,2% em dez anos e o aumento da escolaridade – em
2010, quase 60% dos trabalhadores terceirizados tinham concluído o ensino médio,
ante 16% em 1995 –, Marcio Pochmann, do Ipea, ressalta que persistem
características de precariedade. “O curto período de permanência não dá
oportunidade para o trabalhador obter melhor qualificação nem trajetória de
remuneração ascendente”, avalia. Pochmann defende a discussão de regras e
garantias de condições adequadas para essa forma de contratação.
Fórum em Defesa dos Trabalhadores Ameaçados pela
Terceirização divulga abaixo-assinado contra os males da terceirização ao
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“A escassez legal faz com que não
exista igualdade de condições de competição tanto do ponto de vista patronal
quanto do laboral.” O projeto em tramitação mais adiantada na Câmara,
entretanto, agrava a situação e permite a subcontratação por meio da
terceirizada, ou seja, “quarteirização”, e assim por diante. Daí a importância
da responsabilidade solidária das contratantes, como ressalta o diretor técnico
do Dieese, Clemente Ganz Lúcio. “Quando uma empresa contrata outra precisa
assumir o ônus sobre todo tipo de passivo que a prestadora não cumpra”, diz.
“Não queremos alterar as relações do ponto de vista da organização da produção,
o que não consideramos justo é que essas relações aviltem direitos e criem
condições precárias e desiguais. E há muita terceirização realizada com esse
objetivo.”
O texto do substitutivo defende a
igualdade de condições para questões de alimentação, transporte, ambulatório e
medidas de segurança, mas não em relação a salários e jornada de
trabalho.
“A gente não pode partir para
consolidar uma sociedade resignada, em que as grandes corporações tenham um
núcleo de trabalhadores efetivos, uma nova elite, enquanto uma massa de
terceirizados tem os direitos pulverizados”, alerta Ana Tércia Sanches, do
sindicato dos bancários.
No centro da capital paulista, um
restaurante chama a atenção pelo primeiro de seus “dez mandamentos” divulgados
aos clientes: “Não recorremos à terceirização”. Regina Célia Caldas de Arruda
Leite, proprietária do estabelecimento inaugurado em 1993, afirma ter decidido
desde o início andar na contramão da tendência da época.
Alice: segurança traz confiança, que traz qualidade
“Montamos a estrutura e fomos
ensinando como trabalhar com produto integral, criando as próprias receitas e
formando a equipe. Eles aprendem nosso modo de trabalhar e vão se formando aqui
mesmo.”
A maioria dos 13 funcionários está
no local há mais de dez anos. A cozinheira Alice Victória Azevedo está há 16
anos no restaurante, seu primeiro emprego. “Além da experiência que a gente vai
adquirindo, a gente tem aqui também uma família.” Ela considera a baixa
rotatividade um estímulo. “Dá mais segurança, você passa a ter mais confiança
até nos patrões.”
Agora em março, a CUT, integrante
do Fórum em Defesa dos Direitos dos Trabalhadores Ameaçados pela Terceirização,
realiza uma campanha em torno do assunto. Para Artur Henrique, presidente da
central, as empresas socialmente responsáveis devem tomar conta dos processos
de produção e prestar atenção em quem contratam. “A terceirização é prejudicial
para a saúde do trabalhador, para a produtividade da empresa e para o
desenvolvimento do país”, resume.
Postado pela Assessoria de Imprensa – 13/04/2012
Fonte: Rede Brasil Atual
1 comentários:
É mais do que notória a transferência que os bancos fazem: Com os seus caixas de auto-atendimento, transferem os serviços operacionais para os seus clientes. Enquanto isto ocorre, todo o sistema financeiro aufere lucros exorbitantes, dispensando funcionários e condicionando os clientes às filas e ao descaso. Se há um nicho de mercado que deveria contratar mais, é o financeiro, se não o fazem é porque percebem que não lhes cabem devolver à sociedade um pouco do lucro que ela lhes proporciona!
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