domingo, 23 de novembro de 2008

Edson Santos: Educação é fundamental para diminuir desigualdades raciais

No Dia da Consciência Negra, comemorado nesta quinta-feira (20) em homenagem a Zumbi dos Palmares, o ministro da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Edson Santos, disse que as diferenças salariais entre negros e brancos estão entre os maiores problemas de desigualdades raciais no país.

O ministro destacou que investir na educação é fundamental para diminuir essas disparidades."A educação tem um papel fundamental para reverter esse quadro, no sentido da inclusão e da qualificação do jovem para o mercado de trabalho. Na outra ponta tem a responsabilidade do setor privado, de ter um outro olhar sobre o jovem negro, que às vezes tem o seu sonho de entrar numa empresa podado por não se enquadrar na exigência de boa aparência baseada num padrão europeu de beleza", afirmou.


Em entrevista à Agência Brasil, Edson Santos também disse ser contrário à abordagem fundiária da questão quilombola no Estatuto da Igualdade Racial, que espera aprovação na Câmara dos Deputados, e voltou a defender a criação de delegacias especializadas para tratar de crimes de racismo.

O ministro abordou ainda questões relacionadas à saúde da população negra e cotas nas universidades e anunciou um plano para implementação da lei que obriga as escolas de ensino fundamental e médio a ensinar história e cultura afro-brasileiras.

Edson Santos passa o Dia da Consciência Negra no Rio de Janeiro, onde inaugura, ao lado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, uma estátua em homenagem a João Cândido – almirante negro, líder da Revolta da Chibata em 1910 e que recebeu anistia póstuma este ano. Eles participam ainda de uma reunião com líderes de diversas religiões, entre elas as de matriz africana, para tratar de intolerância religiosa.

Confira a íntegra da entrevista:


Neste Dia da Consciência Negra, o que pode ser comemorado e o que ainda não foi alcançado em termos de igualdade racial?

Temos que comemorar porque o dia traz para o presente a figura de Zumbi, a luta dos quilombolas, a luta dos negros pela abolição da escravidão. E temos que refletir sobre essa realidade atual de desigualdades enormes entre negros e brancos no Brasil. E sobre a necessidade de os setores público e privado e a sociedade civil se juntarem para contribuir para a redução dessa desigualdade. Quanto ao que não foi alcançado, ainda lamentamos as desigualdades salariais. Mesmo um negro em função qualificada, que fez curso superior, recebe em média 40% menos do que um trabalhador branco. É importante não esquecermos isso. A educação tem um papel fundamental para reverter esse quadro, no sentido da inclusão e da qualificação do jovem para o mercado de trabalho. Na outra ponta tem a responsabilidade do setor privado, de ter um outro olhar sobre o jovem negro, que às vezes tem o seu sonho de entrar numa empresa podado por não se enquadrar na exigência de boa aparência baseada num padrão europeu de beleza.


Apesar de uma pesquisa recente da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) apontar que houve um aumento de 2% para 6% da presença de negros nas universidades entre 1995 e 2006, essa porcentagem ainda é muito baixa. A política de cotas não tem oferecido o resultado esperado?

A política de cotas é muito recente, começou em 2003, com a Universidade Estadual do Rio de Janeiro [Uerj] e atualmente existem 70 instituições de nível universitário e técnico que têm política de cotas. O seu resultado vai ser medido ao longo de algumas gerações. Este ano nós tivemos a formatura da primeira leva de jovens que chegaram à universidade oriundos da política de cotas. Então nós vamos ter que acompanhar o desenvolvimento dessas pessoas, sua inserção no mercado de trabalho, as mudanças nas suas rendas, para efetivamente, no futuro, a gente avaliar [o resultado da política de cotas]. Mas eu entendo que as cotas e o ProUni [Programa Universidade para Todos] apontam para um futuro promissor no sentido de o Brasil ser um país mais igual. É importante lembrar que isso é um processo contínuo. Como não existe uma lei de cotas, cada universidade adota se quiser. Todos os anos novas instituições aderem.


E quanto ao Estatuto da Igualdade Racial? O senhor disse que esperava que o estatuto fosse aprovado ainda este ano. Por que o governo não conseguiu colocar isso na pauta do Congresso?

Eu continuo otimista, mas é preciso vencer alguns obstáculos, algumas restrições. Eu acredito que é preciso retirar do estatuto algumas questões que, a meu ver, não são próprias de estarem no projeto e que sua presença inclusive dificulta sua aprovação na Câmara – que é o local da representação dos variados segmentos da sociedade. Nós estamos dialogando com o setor ligado às comunidades remanescentes de quilombos e com o setor ligado aos produtores rurais para chegarmos a um consenso sobre a aprovação do estatuto.


Que trechos o senhor acredita que devem ser retirados do estatuto?

Na verdade a questão da territorialidade de quilombos. A questão dos quilombos está assegurada no Artigo 68 das Disposições Transitórias da Constituição e foi regulamentada pelo presidente da República no Decreto nº 4887 e normatizada pelo Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária] na Instrução Normativa nº 49. Então a questão de quilombos tem alguns pontos que precisam ser tratados? Tem, mas ela já está resolvida e regulamentada pelo governo. Então a idéia é tratar da questão de quilombos não entrando no campo da territorialidade, que já está regulamentado. Devemos tratar a questão quilombola no âmbito da transversalidade de políticas públicas que passam por saúde, educação, transporte, esporte, cultura, lazer, saneamento para essas comunidades.


Algumas áreas de quilombos entram em conflito com outras áreas de interesse da União, como terras da Marinha (no município de Marambaia, no Rio de Janeiro) e a comunidade que fica em Alcântara (MA) no mesmo lugar onde há o Centro de Lançamento de Foguetes da Aeronáutica. Como resolver esse conflito?

Estamos avançando. No caso da base de lançamento, já avançou bastante, o problema do território já foi resolvido e a titulação da comunidade deve sair em breve. Por outro lado, o problema da base de lançamento ficou resolvido em Alcântara, com a definição da área da base aeroespacial – que vai ficar dentro do território do Clara [Centro de Lançamento da Aeronáutica] – então, não vai interferir nas comunidades remanescentes de quilombos. Com isso, foi possível a demarcação e a titulação daquelas comunidades e viabilizado o projeto da agência aeroespacial. Em Marambaia, nós estamos dialogando com a Marinha e eu acredito que a solução virá de maneira semelhante.


Apesar do trabalho da Seppir com o Ministério da Saúde para projetos voltados para a população negra, como a campanha que será lançada sobre anemia falciforme, o quotidiano de pretos e pardos que buscam os hospitais públicos ainda é mais difícil. O que será feito para sanar o preconceito no atendimento a essas pessoas?

A questão da saúde é independente, quem precisa da saúde pública hoje tem dificuldades. Há um mal funcionamento do serviço público de saúde. Agora, a questão da dificuldade, principalmente da mulher negra – que precisa constantemente de ter acesso à saúde – há uma dificuldade maior ainda. Primeiro, por causa da localização, elas geralmente moram em áreas de difícil acesso e por isso nós temos também que abolir essa visão de que quem vai a médico precisa ir a hospital. Tem os postos de saúde, tem o Programa Saúde da Família. Mas eles ainda não funcionam a contento e há dificuldade inclusive na lotação de profissionais para atender em locais mais pobres, onde há maior concentração de negros. Esses problemas podem ser resolvidos com a diversidade na formação de médicos e enfermeiros. Não dá para termos apenas filhos de classe média fazendo cursos de medicina e enfermagem, especialmente na universidade pública. São pessoas que têm carro, que vão a shopping, vão se divertir em boates, viajam etc. É preciso que tenha a presença do jovem pobre e negro levando a sua experiência de vida, da sua realidade para a universidade. A formação universitária ainda é elitista no Brasil, e forma profissionais para as elites.


A Seppir é um órgão articulador e não finalístico, ou executor. O fato de as ações serem executadas por outros ministérios não prejudica os resultados? Se os projetos fossem realizados pela própria Seppir, eles não teriam um direcionamento mais eficiente?

Eu acho que seria menos conseqüente. Um exemplo concreto é a Lei nº 10.639 [que trata da obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileiras nas escolas de esnino fundamental e médio]. Como o Ministério da Educação é que tem todo o acúmulo e a competência nas relações com as Secretarias de Educação dos estados, nós teríamos dificuldade de estabelecer esse diálogo. Eu acho que, embora seja um processo mais demorado, mais lento, a transversalidade dá sustentabilidade às políticas públicas. Eu tenho um temor também de essa questão racial virar um gueto, e a Seppir virar o órgão onde se trata dos negros no governo. A questão racial é uma questão de governo e não de um órgão apenas.


Mas a Lei nº10.639 não tem sido implementada pelas escolas mesmo a tarefa estando com o Ministério da Educação. Qual a vantagem então?

Do passado eu não posso falar, posso falar apenas do presente, já que cheguei aqui em fevereiro. Nós estamos estabelecendo um diálogo com o MEC e vamos criar um plano que vai ser lançado em dezembro para fixar metas de implementação da lei. Entre as coisas que serão abordadas está a questão de bibliografia, de formação de professores, que é fundamental, e o diálogo de forma decentralizada com as Secretarias de Educação.


Sobre as delegacias especializadas para cuidar de crimes de racismo e outras questões raciais, isso não poderia legitimar a inoperância de outras delegacias para lidar com o mesmo assunto?

Se ocorre um crime de tráfico de drogas, ninguém vai esperar a Delegacia de Tráfico e Entorpecentes para prender o cidadão. O mesmo acontece com a delegacia especial para tratar de racismo. É preciso ter no Estado profissionais qualificados para atender a esse tipo de situação. A delegacia especializada não vai criar cargos ou uma nova estrutura, ela é uma delegacia que o Estado vai transformar em especializada no combate ao racismo. O caso do Dudu Nobre [cantor de samba] é um exemplo do que seria tratado nessa delegacia. Ele foi destratado num avião, um comissário o ofendeu e fez gestos como se [o Dudu Nobre] fosse um macaco. Ele desceu do avião e procurou a Polícia Federal para prestar queixa. O delegado qualificou o crime como injúria e não como racismo. Se um delegado da Polícia Federal fez isso, você imagina o que não acontece nas delegacias comuns nos organismos de segurança no Brasil. Acho que isso acaba estimulando que práticas de agressão racistas a brasileiros continuem acontecendo. À medida que você tem uma delegacia que é especializada nesse tema, quando um cara chamar o outro de macaco, ele vai ficar preso lá.

Agência Brasil

Fonte:

Fonte: http://www.pt.org.br/portalpt/index.php?option=com_content&task=view&id=72297&Itemid=195


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